Tayybeh: casal de refugiados da Síria abre restaurante em Lisboa

Fugiram dos bombardeamentos, da guerra, da destruição. Tiveram de deixar para trás o lugar onde nasceram e a família, mas arregaçaram as mangas e recomeçaram uma vida nova, a milhares de quilómetros de distância. Ramia e Alan Ghunim abriram no início deste mês, em Lisboa, o primeiro restaurante exclusivamente dedicado à cozinha síria. O Tayybeh é um projeto criado com muito amor e persistência, é um espaço inspirado na casa deste casal em Damasco, a sua terra natal, e, acima de tudo, é a prova de que a nossa casa é onde está o nosso coração.
A residir há três anos em Portugal, ainda é com dificuldade que este casal diz algumas palavras em português. Mas o sorriso é universal e a paixão com que ambos se dedicam a este restaurante dispensa quaisquer palavras. É visível em cada pormenor da decoração do espaço, totalmente da responsabilidade dos dois, e nos pratos, cozinhados com muito carinho. Mas já lá vamos.
Com formação e experiência profissional no ramo da Engenharia Informática, Alan e Ramia tinham uma vida estável na capital daquele país do Médio Oriente até que eclodiu a guerra civil. Alan teve uma oportunidade de trabalhar no Qatar e ambos viram ali uma oportunidade para fugir à violência e proporcionar uma vida melhor aos dois filhos. “Assim que consegui tratar dos vistos de todos, vieram viver comigo”, recorda Alan. Ali permaneceram durante cerca de quatro anos até que decidiram vir para Portugal com o estatuto de refugiados.
Podiam ter ido para outro país da Europa, como a Alemanha, mas escolheram o nosso país, que, afinal, “não é assim tão diferente da Síria”. “As pessoas são muito parecidas, em termos de fisionomia, e são hospitaleiras, estão sempre prontas para ajudar e aqui sentimo-nos em casa”, contam. Ramia ainda trabalhou no Financial Times e Alan dedicou-se a algumas empresas ligadas à informática.


Mas rapidamente esta migrante foi desenvolvendo um gosto especial pela cozinha. Ao preparar estes pratos tradicionais do seu país talvez conseguisse estar mais perto das suas raízes e matar saudades da família. O certo é que as suas receitas, que aprendeu com a mãe, como o húmus (pasta de grão-de-bico), o falafel (bolinhas de grão-de-bico), o mutabal (beringela defumada com iogurte), e o Herraa Esbao, massa farfalle (em forma de borboleta) com lentilhas e grão-de-bico, não passaram despercebidas no Festival Todos, um evento intercultural que se realiza todos os anos em Lisboa.


Foi o incentivo que faltava a Ramia para ir para a cozinha e deixar para trás a Engenharia Informática. “Começámos a realizar serviços de catering e a marcar presença em eventos, mas sentíamos falta de um espaço que tornasse o nosso trabalho constante”, explica a agora chef do Tayybeh. Foi só depois de conseguirem resolver a sua situação fiscal em Portugal que puderam arrendar um espaço na Estrada de Moscavide, não muito longe da sua casa.
Três anos depois de chegar a Portugal a precisar de ajuda e de oportunidades, esta família pode agora dar a mão a outras mulheres refugiadas da guerra na Síria que, desta forma, cozinham as receitas que aprenderam na sua terra natal e garantem o seu sustento, ao mesmo tempo que se inserem na comunidade portuguesa.
O espaço em tons de bege, preto e branco, salpicado aqui e ali com algumas plantas, faz lembrar as casas típicas de Damasco. Viajamos para outro território, para outra cultura, para outros sabores, marcados por especiarias que não conhecemos e por misturas a que não estamos habituados, como as folhas de videira e a romã.


Começamos pelas entradas (três opções ficam por 7€) e seguimos as sugestões de Ramia: Yalanji, que são folhas de videira recheadas com arroz, tomate, salsa, hortelã, azeite e molho de romã; Kibbeh, uma espécie de pastel de massa de carne e bulgur (cereal integral feito a partir de trigo) recheado com carne, cebola e nozes; e o Musakan, um rolinho de frango misturado com cebola, sumac (especiaria síria) e azeite. Gostei de todas pelos seus paladares levemente adocicados e suaves, mas o que mais me surpreendeu foi o rolinho de frango.

Nos pratos principais, tive oportunidade de provar o Uzi (8,75€), massa filo recheada com arroz basmati, ervilhas, cenouras, carne picada e nozes, muito saboroso. Saímos da nossa zona de conforto de sabores mediterrânicos, mas sentimos a brisa de ingredientes que são comuns à nossa gastronomia. Cheio de cor, o Fattet Gag (8,75€), arroz basmati com frango, pão frito, molho de iogurte e tahine (pasta feita com sementes de gergelim), desperta todos os nossos sentidos. Os vários sabores e texturas do prato combinam harmoniosamente. Não falta nada, não precisamos de mais nada.
Nas bebidas, o destaque vai para o chá: verde com gengibre, preto com hortelã ou gengibre e o karak (chá preto, leite, cardamomo e açafrão. Também há café sírio.
Para sobremesa estava reservada uma baklava, feita com massa filo recheada com pistáchios. A Halawa Jeben, sêmola com queijo sírio doce, terá de ficar para uma próxima visita. Mas não me vim embora sem comer uma maçã, mais uma tradição do país de Alan e Ramia.
Obrigada, estava “Tayybeh”, que, em árabe, quer dizer delicioso.

Créditos das imagens: Starting Today e Direitos Reservados
Este texto integra a rubrica “Saborear” do portal SAPO Viagens.

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